Para: Sarah
Sarah dearest,
Lembro do dia que te conheci. Eu estava recém-chegado na agência que trabalhávamos juntos, e não tinha ideia por onde começar a resolver um problema jurídico que tinha surgido. E ali você apareceu: uma advogada totalmente diferente do convencional, com seu cabelo icônico, seu salto alto, seu senso de humor hilário e uma inteligência ímpar que fizeram meus problemas parecerem pequenos num instante.
Dali em diante, compartilhamos confidências, sentimentos intensos, memes, referências de cultura pop, termos em inglês que só a gente usava, e eu ficava cada vez mais inspirado pela sua alegria de viver, grato por te ter como amiga. O quanto rimos juntos, o quanto críamos quase uma linguagem só nossa, o quanto éramos conectados de maneira tão autêntica, espontânea e única!
Até que um dia você me procurou meio afobada, querendo marcar uma sessão de cura prânica, algo que eu estudava na época. Chegando em casa, você compartilhou comigo o seu diagnóstico de câncer, e eu me senti muito impotente diante da imensidão daquilo. Eu queria que minhas habilidades de cura prânica recém adquiridas arrancassem aquilo de você na hora. E desde aquele dia eu fechei o consultório e não atendi mais ninguém, me senti pequeno e impotente diante de algo tão difícil de lidar que estava acontecendo com alguém que amava tanto.
Os anos se passaram, vibramos a cada perspectiva de cura e lamentamos voltas e mais voltas da sua condição. Lembro de quando me chamou pra te visitar no hospital um dia: entre brincadeiras com os seus doguinhos, tirei uma carta de Tarot, e saiu a que tanto gostava, a Estrela. Senti que aquilo de alguma forma te acolhia, e sempre que podia compartilhava rituais e práticas contigo das mais diversas vertentes, sendo a chama violeta uma das suas preferidas.
Até que chegou um momento que você precisou se afastar um pouco. Talvez pra se preservar, talvez pra nos poupar, talvez um pouco de tudo. E, por mais que eu quisesse estar perto, eu sabia que era seu desejo que a gente não te visse doente. Você escolhia muito intencionalmente onde estaria, e o quão honrado eu me sentia que escolhia o meu Halloween como uma dessas poucas ocasiões.
No seu aniversário desse ano, eu te mandei uma mensagem só pra que sentisse meu amor, nem esperava uma resposta. Mas você me respondeu com vídeos no hospital falando da sua luta, da gente, dos seus rituais, do seu olhar sobre a vida. Aquilo me abalou muito, eu não queria que você estivesse no modo despedida, e sim no modo resiliência que tanto esteve. E foi ali que eu comecei a me preparar pra me despedir de você: ouvia What Sarah Said, uma música sobre se despedir de alguém também chamada Sarah no repeat, cujo final da letra dizia: love is watching someone die. Se isso então era o amor, era isso que eu queria fazer por você de forma mais próxima dali em diante, só não sabia como.
Até que essa semana fui acionado por uma das nossas amigas em comum que disse que você tinha sido internada, pra fazermos algo pra te distrair e entreter. Minha reação inicial era te visitar, mas era pedido seu que isso não acontecesse. Então resolvi te escrever uma carta. Nela, eu te falava um pouco dos meus dias, do meu amor por você, e dos planos que tinha quando se recuperasse. Mas você partiu antes disso, e essa carta nunca chegou a tempo.
Quando recebi a notícia, corri para o hospital com o coração dilacerado, mas ainda com a carta em mãos. De alguma forma, queria que recebesse aquelas minhas últimas palavras pra você, mas você não estava mais ali. Então é nesta carta aqui que vou me despedir de você, diante dessa plataforma que tanto gostava, diante de pessoas que sei que vão entender a dimensão desse nosso amor e que vão tirar algo da nossa história: algo sobre querer muito viver, algo sobre amizade, algo sobre um amor que transcende até mesmo a morte.
Eu te disse o quanto te amava, mas acho que não te agradeci. Não te agradeci por me confiar o seu diagnóstico, e não te confessei que aquele dia que você foi lá em casa eu senti que você não estaria nesse plano por muito mais tempo, mas eu não tinha coragem de assumir essa visão nem mesmo pra mim. Não te agradeci por me trazer tantos dias alegres, não te agradeci por sempre ir no Masonween com tanto entusiasmo mesmo indisposta, não te agradeci por ter me incentivado a adotar sua afilhada Bete, não te agradeci por me confiar sua cura e bem estar energético o tempo todo. Eu sinto que falhei como 'seu bruxo', como gostava de me chamar, pois um bruxo de verdade teria alguma poção mágica que te curaria em um instante. Mas eu fiz o que estava ao meu alcance pra te trazer inspiração, fé e acolhimento, e sei o quanto isso foi importante no seu processo.
Eu vou honrar seu legado de alegria e amor, amiga. Eu vou seguir cuidando de todos os doguinhos que puder em seu nome, e a cada festa que tiver vou fazer um brinde à sua alegria, como se a gente ainda estivesse ali, bem inimigas do fim que éramos juntas. E eu sei que, da onde estiver, vai sentir isso também. A sua passagem por esse plano não foi em vão e eu vou honrar a sua existência enquanto estiver por aqui.
Essa é a carta que eu não consegui te entregar. Mas sei que o amor cósmico vai fazer com que sinta cada palavra e amor contidos nela.
Te amo pra sempre,
Seu Bruxo
Ps1: acendi uma vela violeta pra você na sua cerimônia hoje e ela queimou até exatamente o momento que nos despedíamos da sua matéria.
Ps2: enquanto isso, os seus filhos bichológicos estavam ali, participando de tudo como queria: Simba não saiu do meu colo, Winter seguia com sua vibe irreverente de pônei que não tem noção do seu tamanho, Zeca desconfiado de tantas pessoas que ainda não conhecia e poderia beliscar, e Nica muito plena com suas patinhas cruzadas.
Ps3: eu te amo tanto e já tô com muitas saudades. Mas nos vemos em breve em um plano que seja tão luminoso como a sua frequência. Eu sabia que esse era denso demais pra sua luz.